Um carneiro e os outros
Um jovem carneiro, esperto e corajoso, resolveu ir sozinho matar a sede num riacho que ficava do outro lado da cerca que protegia o rebanho dos lobos famintos.
Havia anos, nenhum carneiro tinha ousado
se arriscar tanto, desde que ouviram de um velho pai-de-chiqueiro, a estória do
cordeirinho que foi devorado por um lobo feroz que o acusou de ter turvado água
do riacho.
No caminho, avistou uma carcaça de um
lobo que, pelas circunstâncias, devia ter morrido de fome, porque carneiros não
havia mais dando sopa em toda a redondeza. Percebeu que a pele, na qual ainda
se agarrava a cabeça, estava intacta. Por precaução, nunca se sabe, fez desta uma manta e assim chegou ao
riacho.
Nem bem tomou o primeiro gole, o jovem carneiro
ouviu o uivo de um poderoso canídeo que fez estremecer os seus ouvidos. E não
estava sozinho. Havia uns dez, todos igualmente ferozes e famintos.
Mas o jovem carneiro se fez de
inoportuno e pôs-se a beber da água, aparentando tranquilidade.
- Vai bancar o esperto fingindo que não
está nos vendo? Onde arranjou comida? perguntou o lobo alfa.
Esperto que era mesmo, o jovem carneiro
disse sem perder a compostura.
- Há horas que estou aqui e não senti
nem cheiro. Ouvi dizer que não há mais nenhum deles por estas redondezas. Foram
todos devorados por famintos leões do sul.
- E por que está bebendo tanta água? Quis
saber um outro.
- Ora, porque estou com muita fome e
ouvi dizer que água ajuda a enganar o estômago, respondeu o esperto carneiro.
- E quem lhe disse isso, velho? Grunhiu outro, de enormes caninos.
- É um saber ancestral, camaradas,
admira-me que não saibam, respondeu o carneiro, provocando certo incômodo moral nos mais impacientes do grupo.
Não querendo se passar por ignorante daquela
sabedoria ancestral, isso seria prejuízo a sua posição na matilha, o lobo alfa interrompeu
o ímpeto dos companheiros.
- Claro que sabemos. Viemos aqui fazer o
mesmo. Agora pode nos dar licença, um pouquinho, por favor?
Ao se empanturrarem da água do riacho,
os lobos foram embora ainda com fome, porém honrados.
Satisfeito e orgulhoso, o jovem carneiro
voltou correndo para contar a novidade aos outros.
Mas, para sua incompreensão, os carneiros
fugiram em desespero assim que o viram ultrapassar a cerca de proteção. E logo
deu-se conta do equívoco. Ainda por precaução, nunca se sabe, ele havia se mantido sob
a carcaça do lobo.
Difícil, no entanto, foi convencer a
todos de que ele era realmente carneiro como eles.
MORAL DA HISTÓRIA: QUANDO INTELIGÊNCIA E CORAGEM VENCEM A FORÇA, MAS NÃO SUPERAM A IGNORÂNCIA
De Betto
Ferreira
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