Professores inúteis e sem amor: fui um deles


De tanto ouvir falar que educação é prioridade, eu passei um bom tempo da vida quase me convencendo de que era verdade.

Mas não é que recentemente volei a ouvir alguns dos velhos chavões que colocam a profissão de professor como algo desnecessário, irrelevante e/ou sacerdotal. E por pessoas que deveriam, pela função que exercem, serem mais cuidadosas a fim de que o que diz não vire norma e/ou pre-conceito.

"Os professores são inúteis, só reclamam", dito por um nobre vereador de uma importante cidade interiorana. "Os professores deveriam ensinar por amor e não por dinheiro", dito por um governador de Estado.

O primeiro afirmou sua verdade através de uma página de relacionamento da internet, usando como argumentos as queixas dos alunos e pais de que os professores não vão à escola e quando vão não dão aula. A verdade do outro foi dito à imprensa mesmo, com todo o poder que o cargo de governador lhe confere, diante das reivindicações dos professores em greve por melhores salários e condições de trabalho.

Ao ouvir os dois chavões os quais achava serem coisa do passado, pensei: como fui cruel com o meu País, sobretudo com o Estado onde resido, São Paulo, por ter recebido do povo uns míseros reais para dar aulas por durante doze longos anos e não ter ensinado nada (ao menos para boa parte dos alunos). Não deveria ter aceito a boa gentiliza do Governo e ter ido todos os dias exercer a minha função por amor às crianças e adolescentes do meu País? Por que fui egoísta ao pensar também na minha família! Ora, se eu escolhi essa função (como se fosse sempre escolha), o problema foi meu. Não devia receber nada por querer ser professor.

Porque não foi ser jogador de futebol. Um desembargador, talvez. Quem sabe até um bom pedreiro (o último que foi fazer um pequeno reboco no muro da minha casa cobrou R$ 600 por dois dias de trabalho). Mas se tinha a expectativa da justa remuneração, jamais professor. Professor não pode cobrar da sociedade dinheiro para ensinar as crianças e  adolescentes. Em especial quando se trata de professor da rede pública, porque o salário pago a ele vem do suor do povo - como se todo dinheiro não fosse do povo.

Se o professor pretende ensinar a crianças e adolescentes das classes mais abastadas, nas chamadas escolas particulares, aí tudo bem - como se nesse estrato o professor também não fosse destratado. Abre-se uma exceção e talvez ele ganhe o que mereça, uns bons trocados que lhe permita colocar seu filho também numa escola particular. Ainda que possua o mesmo knowhow ou mais daquele outro, é ousadia demais do professor da escola pública exigir tal reconhecimento, porque o dinheiro que lhe paga o exercício de inutilidade vem do povo. Professor da rede pública de ensino não precisaria ser pago para ensinar. Tinha de fazer como os antigos sacerdotes, que  o fazia por estima ao rei.

Rubem Alves tem razão quando insinua em suas crônicas sobre educação: os professores são os "urubus" e o que ensinam não servem para nada, a não ser para matar a sua fome de quem espera a carniça. O que eles ensinam e como ensinam não fazem os meninos e meninas voarem, também diz Alves. Acho que vem daí a justificativa de boa parte da opinião pública de que nada devessem receber pelo que faz. A diferença é que Alves faz isso de forma metafórica. Na realidade, a coisa é mais agressiva e gera desrespeito. Ao menos injúria, eu diria. Mas nada o professor pode fazer, porque não há voz, que não a dele, que  reaja em seu favor.

Outro dia, depois de ter ouvido os chavões, os quais eu pensava serem coisa do passado, eu fui surpreendido por  um ex-aluno. Nos encontramos por acaso em uma calçada de rua. "Olá, professor, tá lembrado de mim, fui seu ex-aluno da oitava série". Como reconhecer um garoto depois de anos! "Aquele que não gostava de suas aulas porque achava que português era inútil", continuou.  Realmente não o reconheci. "Quero lhe agradecer por sua insistência, graças às suas aulas fui bem na redação do vestibular e me formei em farmácia. Era um sonho". 

"Desculpe-me pela insistência", eu respondi, realmente sentido por não tê-lo reconhecido e menos triste por ter sido útil para seu sonho. Ele me deu um curto e sincero abraço de despedida porque estava com pressa.

Comentários

Eliana Fernandes disse…
Olá Betto, tudo bem??
Sempre estou atenta ao que escreve em seu blog, sempre centrado, inteligente e crítico.
Pois é, não sei se estou certa, mas nunca me simpatizei muito com Rubem Alves, e me decepciono com o Ziraldo quando comenta sobre o papel da escola.
A Educação pública do país está falida por governantes como este que estão lá porque o próprio povo colocou e por esta razão, nós continuaremos sendo os "urubus e inúteis".
Tem um fator muito importante hoje em dia responsável por esta situação: Os pais esqueceram da sua função de educar os filhos, passar os valores, olhar em seus olhos e entregou este papel que não são dos professores para que estes realizem.
Não encontram tempo de conversar com seus filhos, preferem pagar em 15 vezes um celular, ipod, computador para seus filhos pra suprirem a falta de amor e carinho que é muito mais importante que isso e que nunca desgasta e fica fora de moda.
Não aceito quando dizem que hoje os pais precisam trabalhar, correm demais, meus pais sempre trabalharam e sempre tiveram um tempo de passar a mão na cabeça e puxar a orelha quando foi preciso.
Ser professor não é sacerdócio, porque se eu achasse isso, eu teria ido pro convento e não enfrentar uma faculdade durante 4 anos, de segunda á sabado, pagando os olhos da cara.
Enquanto o nosso povo não mudar, nada mudará!
Eu acho você uma "Mente Brilhante".
Abraços,
Eliana
Eliana Fernandes disse…
Olá Betto, tudo bem??
Sempre estou atenta ao que escreve em seu blog, sempre centrado, inteligente e crítico.
Pois é, não sei se estou certa, mas nunca me simpatizei muito com Rubem Alves, e me decepciono com o Ziraldo quando comenta sobre o papel da escola.
A Educação pública do país está falida por governantes como este que estão lá porque o próprio povo colocou e por esta razão, nós continuaremos sendo os "urubus e inúteis".
Tem um fator muito importante hoje em dia responsável por esta situação: Os pais esqueceram da sua função de educar os filhos, passar os valores, olhar em seus olhos e entregou este papel que não são dos professores para que estes realizem.
Não encontram tempo de conversar com seus filhos, preferem pagar em 15 vezes um celular, ipod, computador para seus filhos pra suprirem a falta de amor e carinho que é muito mais importante que isso e que nunca desgasta e fica fora de moda.
Não aceito quando dizem que hoje os pais precisam trabalhar, correm demais, meus pais sempre trabalharam e sempre tiveram um tempo de passar a mão na cabeça e puxar a orelha quando foi preciso.
Ser professor não é sacerdócio, porque se eu achasse isso, eu teria ido pro convento e não enfrentar uma faculdade durante 4 anos, de segunda á sabado, pagando os olhos da cara.
Enquanto o nosso povo não mudar, nada mudará!
Eu acho você uma "Mente Brilhante".
Abraços,
Eliana

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