Os subterfúgios da maioridade



Que as nuvens não são de algodão, todo adolescente sabe.  Já na minha época, na do meu pai, na do meu avô, isso era coisa que se sabia. O que todo adolescente não sabe, independente da época, é do que a nuvem é feita. Para isso, precisa aprender a matéria. E de alguém que o ensine.


E ninguém melhor que um professor para ensinar isto: que o processo de formação da nuvem é natural. O processo de formação do homem não é igual ao da nuvem. Sofre interferências do antinatural: a moral. Também chamada de ética, a moral é moldada conforme os interesses da parcela humana que prescreve os ditames sociais: vícios, costumes, modismos, gostos e contragostos. É na escola que se aprende sobre ética e sociedade.


Sempre ouvi meus pais e os amigos de meus pais dizendo: “Na minha época era diferente, os jovens eram mais educados”. Certamente, os meus avós diziam a mesma coisa. Mas o tempo é um álibi da não responsabilidade. Para a culpa é  sempre ele quem opera a mudança.


Mas todo homem é metade do que o meio diz para ser. Em qualquer tempo. Assim, todo adolescente se torna aos poucos o que a gente diz para ele ser. Na época dos meus pais e na dos meus avós, o menu de opções disponíveis para as malcriezas eram sutis. Logo, os atos juvenis também o eram. Como beijar na boca. Liberdade vigiada. Mas beijos havia.


Em muitos casos movido por hipocrisia, os ditames sociais mudam conforme o anseio dos que dominam. Hoje são outros e muitos são oportunos (a espreitas dos oportunistas). E beijar na boca virou ingênuo demais. O negócio agora é explorar todo o corpo. Experimentar as sensibilidades do corpo, ainda que sem (cons)ciência do certo (embora se afirme o contrário). E o menino foi transformado em homem e a menina, em mulher.  E a formação do homem foi cortada ao meio. É preciso pressa. A sociedade precisa de homens e não de crianças.


Mas, no caso do homem, a pressa é inimiga da formação, porque a perfeição é um mito. Então, criamos meninos com vícios de homens, gostos de homens, à moda do homem. Homem vota, homem faz sexo, homem escolhe quem ou o quê, homem mata se for preciso. E os meninos aprenderam com os homens. E meio-homens são, por que não de fato ainda.


Então, é preciso respaldar em juízo que o menino de ainda agora virou homem. E que lhe dê ciência à sua inconsciência: já que vota, faz sexo, escolhe, mata se for e se não for preciso. Mas homem que é homem pelos atos responde, diz o ditame (embora haja as exceções). Então, enchamos o país de homens! Basta que para isso o novo homem responda por si. Afinal, foi o que lhe ensinou o tempo, porque ninguém se julga culpado de sua culpabilidade.

É, passaram os tempos e mudaram-se os ditames sociais. Mas os novos homens vão continuar sem saber do que é feita a nuvem. Não é bom saber. Porque talvez soubesse da razão que lhe querem homem que responde. E que maioridade penal é subterfúgio. Que as nuvens não são de algodão todos sabem. 

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