A indignação do Alemão
“Mas
se ainda há pouco tudo estava bem, por que de repente dizem que estamos em
crise?”. Tal questionamento não foi feito por nenhum membro do governo ou da
oposição, por nenhum crítico de economia a convite da grande mídia, nem por
nenhum especialista em política econômica. Ele foi dito pelo Alemão.
Quem
é Alemão? Aproximadamente 40 anos, nos dias úteis, Alemão trabalha como representante
comercial de uma empresa que vende portas e janelas antirruídos em bairros da
classe média-alta. “Ao menos para mim não tem crise; tem vendido muito”,
comemora. Nos finais de semana, como faz há anos, ele corta cabelos em seu
pequeno salão no Jd. Orion, bairro onde também mora, na periferia da zona sul
de São Paulo. “Cliente é o que não falta”, reforçando ainda mais sua descrença na
crise.
Enquanto
esperava a minha vez, fiquei refletindo sobre o questionamento de Alemão, o
cabeleireiro: estamos mesmo em crise ou apenas sofrendo os efeitos da ira daqueles
que não contavam com o referendo popular para a continuidade de um projeto que
elevou a moral do país?
Nos
últimos doze anos, aos olhos do mundo, o Brasil deixou de ser um país
desacreditado para se tornar uma das oito maiores economias do mundo e um dos
mais importantes mercados de investimento global. A ONU vive citando o Brasil
como exemplo no combate à desigualdade social em tão pouco tempo. A OIT
reconhece no Brasil também um exemplo no combate ao trabalho infantil no mesmo
período. Recentemente, líderes sulamericanos afirmaram que a sobrevivência do
continente depende do Brasil. E, contrariando uma visão negativa do tamanho da
importância do país no mundo, Obama disse ser o Brasil uma potência mundial.
Segundo
IBGE, a taxa de desemprego chegou em março/2015 a 6,2%, se mantendo entre as menores
do mudo nos últimos dez anos (nada comparado aos 12%-15% de antes). Mas a
grande imprensa, porta voz do mantra da crise político-econômica, que intriga o
Alemão, alarda como “desemprego galopante” no país uma pequena elevação
ocorrida nos ultimes meses, por causa de uma demanda menor na produção de
automóveis.
Talvez
o Alemão não saiba, pensei eu, enquanto ponderava sobre seu questionamento, mas
as grandes empresas de comunicação (que são poucas no país, diga-se) têm
motivos de sobra para dar ênfase a eloquências desse tipo: a proposta do atual
governo de regulamentação do setor que, pretende, entre outras coisas
positivas, ampliar o acesso à informação. Talvez seja isso, Alemão, que alguns
não queiram que aconteça em nosso país. Informação é tudo, meu caro, e ter o
monopólio da informação é mais tudo ainda.
Então
é preciso inventar de toda forma uma crise já que a ideia somente de corrupção
não pega mais. Para isso, até os maus resultados do futebol brasileiro (veja
só), sobretudo da seleção brasileira, são logrados ao atual governo,
responsável pela crise mantrificada. Ao menos é isso que se ouve de jornalistas
e comentaristas nas resenhas esportivas dos principais meios de comunicação.
Ora, como se na época do tetra e do penta a situação não fosse infinitamente
pior: o desemprego chegava a 20% e a inflação sempre acima dos dois dígitos. E
o futebol brasileiro, no entanto, foi vencedor nas duas oportunidades.
Enfim,
chegara a minha vez. “Vamos lá, professor!”, chamou o Alemão que continuava a
questionar a crise. Estava mesmo decidido a não acreditar na sua existência,
pois se para ele e mais um tanto de pessoas que conhecia tudo estava bem. E se dirigiu
a mim, como se quisesse encontrar quem também não se deixasse levar pelo mantra
da crise. “Por que eu tenho de acreditar naquilo que querem que eu acredite,
hein, professor?”.
A
indignação de Alemão, o cabeleireiro, tem sido a mesma que a minha desde então.
Uma boa resposta ao seu questionamento talvez seja: porque a crise ou a
sensação dela gera insegurança, alimento dos oportunistas de plantão.
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