Sobre educação, medo e liberdade
Exceto pelo necessário domínio da matéria que ensinava (Português), e no saber fazer também, nunca me apeguei a ideia de autoridade em sala de aula. Nunca me dei bem com isso. Como professor, nunca coube nada em mim além do querer saber ensinar.
Continuo,
por exemplo, sendo radicalmente contra a ideia de autoridade que transfere ao
professor a competência de pôr ordem na sala. Isso foge totalmente a minha
compreensão do que é ser professor. Quem sabe foi por isso que, depois de muito
tempo (porque não punha ordem na sala) me acusaram de indisciplina um dia.
Convenhamos
(ou não): todo professor tem mesmo o direito de ter orgulho de ser professor, e
deixar isso bem claro (sem falsa moral nem modéstia, porque senão
desparecemos). Mas é preciso não cair na tentação do engodo do poder de autoridade que nos seduz todo o tempo: “Sou eu quem manda aqui, ouviram? ”. Nem por medo,
nem por pressão.
Saber
ser professor eu diria é saber ensinar que, numa relação ensino-aprendizagem,
ninguém manda. Muito menos ele, o professor. Quem manda é a combinação do
querer ensinar com o querer aprender do outro. Se eu quero ensinar, devo me
compor como quem quer ensinar. Se eu quero aprender, devo me compor para
aprender.
É
provável que muitos dos colegas professores se sirvam, em dado momento, dessa
aparente competência de autoridade para pôr (ou impor) ordem em sala. Mas,
creio eu, se assim fazem (se ainda assim fazem), fazem apenas por desespero
diante da falta do querer aprender do outro. Não como estratégia
didático-pedagógica.
Porque,
no fundo, todos sabem que não funciona. Todos sabemos que o efeito surtido de
toda autoridade (mesmo a de aparência), pode frustrar as expectativas: pode ser
de medo e não de respeito (o não esperado e o esperado, respectivamente)
Em
qualquer situação, autoridade demais para a ordem das coisas costuma pôr em
risco as liberdades, inclusive a própria suposta autoridade (tanto a de quem
acha ter como a de quem acredita que o outro é que tem) A meu ver, autoridade
demais só serve à uma finalidade: a de concluir que as coisas não vão bem.
Erich
Fromm, em O Medo à Liberdade, afirma
que um dos principais medos do homem é o medo da evolução. Medo este que o companha desde
o seu nascimento. Se não evolui (= cresce, avança, conhece, sai do ponto em que
se encontra), avalia, o homem permanece “nascendo”. Nunca cresce.
Embora
se refira ao mundo corporativo (o das grandes Companhias), acho que o que ele
diz tem a ver com a educação escolar também. Sempre tem. A educação escolar
carece de evoluir. Ser libertadora. Aquela que, segundo Freire, liberta das
amarras dos medos. Com medo, ninguém aprende a ser livre. Com medo, tem-se
apenas medo.
A
psicologia também nos ensina sobre o assunto: o respeito como resultado do medo
não é confiável, porque é embrutecedor (= tornar-se bruto, do latim brutus, que quer dizer o que é inerte,
tolo, ingênuo). Por ser assim, um sentimento ingênuo e tolo que nos paralisa, o
medo pode ser ruim até para quem o inventa, para quem o propaga. Respeitar pelo
medo nem liberta nem é libertador, portanto.
A
parada é dura. Eu sei. Mas, com ousadia e coragem, é possível lutar contra o
medo que embrutece meninos e meninas em sala de aula. Como professor, cansei de
ouvir coisas do tipo (de tudo que é lado, até de muita gente de fora da
escola): “O senhor tem de pôr ordem na sala”, só na sua aula que tem essa
bagunça”, “o senhor é ou não é um professor? ”
Proceder a intervenções como estas é um
desafio e tanto, eu sei, porque, além de fatalistas (parece não haver saída), reforçam a noção
equivocada de ser professor. Especialmente quando ditas por certos meninos e
meninas (nunca eram todos, ainda bem) porque não sentia verdade nem ofensa
quando eram ditas por eles. Era apenas manifestações ingênuas do embrutecimento
(provocações).
Compreensível,
em parte, já que eram meninos e meninas ainda. Pior se fossem adultos já
feitos, repletos de outros medos. Adultos com medo de ver na luz. Uma tragédia (lembram-se de
O Mito da Caverna?). Por isso, de vez em quando, não havia outro jeito senão
arriscar. Era preciso livrá-los do embrutecimento enquanto era tempo.
Era
preciso torná-los livres da ingênua necessidade de que, em sala, quem manda é o
professor. O professor tem de saber a matéria e ensiná-la certo (o que não é pouco). O resto, o querer aprender (o que também não é pouco), é com os alunos.
“Não
precisem de mim para dizer como cada um de vocês tem de se comportar para ser bom aluno”. Eu dizia a eles. Era preciso ensiná-los a serem livre. O resultado
parece obscuro porque demorado. Mas vale a pena.
Quando
menino, eu provei muitas vezes da sensação de medo. Era medo de tudo que é tipo
que me botavam. Mas o medo que mais tinha medo era o da autoridade demais.
Quase me embruteci para sempre. Ainda bem que me tornei um professor.
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