A águia, as codornas e a aparência
Também conhecidas como codornas,
as codornizes são aves muito dóceis, porém precavidas. Uma de suas maiores
precauções, dizem, é com a segurança. Por isso, nunca voam sozinhas.
Isso mesmo: exceto aquelas que vivem em cativeiro, embora não pareça, as codornas voam e voam muito bem.
Mas não é do voo das
codornas que esta fábula versará, e sim de como buscam se proteger dos
predadores.
Certa vez, um casal de
codornas, do tipo amarela, teve três lindas codorninhas. Uma delas nem sequer falava de tão pequena.
A mãe codorna logo se
deu conta de que precisava arranjar comida para alimentar os filhotes. Precavida,
foi comunicar a necessidade as saltitantes avezinhas:
- Papai e mamãe vão
buscar comida. Não tentem voar!
- Sim, mamãe.
A codorna pai também,
também precavido, se aproximou das pequenas aves e disse:
- Ah, tenham cuidado
com certos bichos estranhos! Em especial aqueles que costumam parecer fofinhos só
para nos enganar. As aparências enganam
Também já se mostrando precavidas,
a exemplos dos zelosos pais, as pequenas codornizes logo quiseram saber:
- Papai, estranho é o que não se parece com a
gente, né?
- É papai? E o que é aparências?
- Piuuuuupiuuuuu!
A codorna pai logo
percebeu que havia despertado nos filhotes uma curiosidade além do seu saber de
codorna. Daí que, a fim de não alongar no assunto, gaguejou:
- Sobre isso a gente
conversa depois.
E voou, deixando para a
codorna mãe, que também já se preparava para o voo, a responsabilidade de
satisfazer a curiosidade das codorninhas:
- O que o papai quer
dizer é que nem tudo é o que parece...
Ao dizer assim a
codorna mãe também voou.
Sozinhas, no alto de um
arbusto frondoso, onde fora feito o ninho, restavam
as codorninhas então a conjecturar sobre o sentido do que disseram os pais até
que estes voltassem com comida:
- Pra mim, estranho é bicho feio.
- E pra mim, é aparência.
- Piuuupiuuuu!
Daí que uma
despreocupada fêmea de preá-do-mato apareceu por ali a procura, quem sabe,
também de comida. Ao verem o animal fofinho, de cor acinzentada e incisivos
brancos e sobressalentes, as codorninhas logo a tornaram suspeita de ser um dos
bichos estranhos - a aparência de que o codorniz pai falou.
- Fofinho, mas essa
pelagem cinzenta. Sei não!
- E esses dentes
sobressalentes! Melhor não dar confiança.
- Piuuuupiuuuu!
Foi quando, de repente,
uma enorme uiraçu-falso, de asas enormes, garras afiadas e plumas vastas, surgiu
do nada, em voo rasante, e aterrissou sobre o roedor indefeso que, coitado, nem
teve tempo de bater os dentes.
As codorninhas, claro,
se assustaram todas. Percebendo a fragilidade das pequenas tinamiformes,
a grande ave de rapina logo cuidou em acalmá-las:
- Fiquem tranquilas,
avezinhas! Estão seguras agora. Mas tiveram sorte, viu!
E levantou o corpo do pobre
herbívoro espetado em uma de suas garras poderosas. As codorninhas não quiseram
nem ver. Não tinham estômago para aquilo. E águia então se aproveitou:
- Parece fofinho, né? Esse
pelinho, esses dentinhos! Mas, como disse seu velho pai codorna, as aparências
enganam. Não passa de um predador terrível. E adora codorninhas assim como
vocês.
As codorninhas, ainda
se desfazendo do susto, entreolharam-se e uma disse para outra:
- Você tem razão: é
mesmo a aparência!
- Ainda bem que temos
pais precavidos.
- Piuuupiuuuuu!
Ao perceber que o casal de codorna já regressava (dizem que além da visão, as rapinas são também dotadas de boa audição), a esperta águia cuidou de se mandar e se apressou em se despedir das avezinhas.
- Bom, tenho que ir
agora. Por precaução, vou levar este aqui comigo pra ter certeza de que nunca
mais irá enganar belezinhas como vocês. Outra hora eu volto pra conhecer seus
pais.
E zarpou.
E que voo lindo, que grandes
asas, que belas plumas, que lindo canto, que imponência. As codorninhas nunca
tinham visto tanta beleza juntas. Ficaram
encantadas. Não, aquele não era um bicho estranho, porque havia na águia alguma
semelhança com elas.
- Quando crescer quero
ser como esse lindo pássaro!
- Eu também.
- Piuuuuu!
Quando o pai e a mãe
codornas pousaram no ninho trazendo comida farta, as codorninhas estavam
eufóricas e foram logo lhes contar o ocorrido. Feliz por ter também
seguido o conselho dos pais, a menorzinha balbuciou pela primeira vez:
- Disse que vai voltar...
Pra conhecer vocês... Piuuupiuuuu!
De tão surpresas, e
talvez aliviadas, as duas codornas engoliram a comida que traziam no bico sem
querer. Pegaram as codorninhas e zarparam para bem longe dali.
MORAL DA ESTÓRIA: NEM SÓ SE DE APARÊNCIA É FEITA A FALSIDADE E TODO CUIDADO É POUCO COM CONSELHOS MAL DITOS.
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