O ratinho que se achava feio

 


Lembra-se da estorinha do patinho feio? Aquele que era menosprezado pelos outros por ser diferente? E depois descobriu que, na verdade, não era pato coisa nenhuma, mas sim um lindo cisne?

Pois bem! Esta estória é do ratinho feio. Ou melhor, do ratinho que se achava feio, porque era ele que se achava e não os outros.

Os irmãos ratinhos, o pai e a mãe ratos até que tentavam fazê-lo se sentir bem à vontade no bando. Mas ele não se perdoava por ser estranhamente “feio”.

- Veja, eu tenho espinhos ao invés de pelos!

Dizia ao ouvir os apelos dos ratinhos e da ratazana.

- E nem sequer gosto de queijo!

- Mas quem disse que nós, os ratos de esgoto, gostamos de queijo, filho!

Interferiu o velho e sábio camundongo, patriarca da ninhada, que ouvia a conversa e o tentou demovê-lo do oposto:

- Comemos quando não encontramos o que de melhor comer.

O pai rato também interviu:

- Gostamos mesmo é de uma boa fruta, um delicioso pedaço de bife...

- Ah, tá bom! Então me digam: porque os gatos fogem de mim?

Houve um breve silencio no antigo esgoto a céu aberto. Realmente esse é um detalhe importante que fazia um rato ser rato de verdade. Todo rato que se preze, foge de gatos e não ao contrário.

Quebrando o silêncio, a ratazana contemporizou:

- Quer saber, filho, isso tudo são só detalhes. Você é especial!

Não teve jeito. Naquele momento, o silencio foi a deixa, e o ratinho feio tomou a já postergada decisão ali mesmo:

- Amo vocês, mas tenho de ir embora.

E foi mesmo, para a tristeza da ratazana e dos ratinhos, todos apegados a ele, exatamente por acharem-no diferente.

Partiu num dia frio e úmido de outono. 

Depois de muito caminhar, comendo insetos e vegetais que encontrava pelo caminho, chegou ao que parecia ser uma bela reserva florestal, bem diferente do esgoto.

Chegando ali foi logo abordado por um velho ouriço que , de tão velho, andava aparado numa muleta. E a este contou sua triste história.

- Ora, ora, mas você não é estranho. Você só não é um rato.

- Como assim, eu não sou um rato? Meus pais são ratos, meus irmãos são ratos.

- Talvez, mas você não é.

O velho ouriço o levou para diante de um resto de espelho que um dia havia aparecido ali (ao menos aquele descarte humano serviria para alguma coisa) e disse:

- Veja você mesmo.

Ao ver sua imagem refletida no espelho, o ratinho feio levou um baita susto. Mas também ficou surpreso. Ao se recompor, começou a notar que não era mesmo igual aos irmãozinhos e aos pais. Virou-se para o velho ouriço:

- Nossa, eu sou igual a você!

- Na verdade, somos muito parecidos.

Refutou o ouriço com ar de sabedoria. Daí o ratinho emendou a pergunta, para cuja resposta o velho ouriço já a tinha na ponta da língua:

- Mas, se eu não sou um rato, o que eu sou?

- Você é um ouriço terrestre como eu. Somos da família dos erinaceus, só que eu sou do tipo cacheiro e você é do tipo orelhudo.

- Caramba, o-re-lhu-do!

- Sim, tá nas suas orelhas alongadas. Mas em muitos lugares, tanto você como eu, somos conhecidos como porco-espinho.

Admirado com o os conhecimentos do ouriço ancião, o ratinho (ou melhor, o jovem ouriço) reconsiderou:

- E eu que sempre achei que fosse um rato de esgoto.

- Talvez você tenha se confundido com um deles! Entre nós, por ter espinhos curtos, os orelhudos são os mais parecidos com os ratos. O jovem ouriço pensou que aquilo podia mesmo fazer sentido.

- É que a gente às vezes precisa ver mais para dentro do que para fora.

- Dentro de quê?

- Da gente mesmo.

E o velho e sábio cacheiro o convidou a se ver no espelho novamente.

- Quando eu era jovem, assim como você, fui adotado por uma família de tatus. Eu pensava que era um tatu. E também me achava estranho e feio. Um dia, vi minha imagem refletida neste espelho.

Naquele momento, o sábio ouriço percebeu que o ouriçinho estava encantado pelo que via no reflexo. E continuou:

- Me senti exatamente assim: encantado com o que vi. Foi quando descobri que não era um tatu. E não sendo um tatu, lógico que não podia ser igual a eles. Portanto, nem estranho nem feio. 

O ouriçinho orelhudo parecia cada vez mais encantado diante do espelho. As orelhinhas se mexiam de entusiasmo. 

- Eu era o que era: um lindo ouriço, conforme fui aprendendo a ver cada vez mais para dentro.

Finalizou o velho ouriço. 

Em seguida, perguntou ao jovem ouriço o que,  afinal de contas, ele estava vendo  na imagem refletida. O jovem ouriço respondeu com  convicção:

- Um jovem e lindo ouriço do tipo orelhudo.

E as orelhinhas se mexiam de satisfação.

- É assim que olha pra dentro, garoto!

Naquele instante, a fala do velho ouriço parecia ter saído do além. Pois, ao despertar do transe, o jovem ouriço orelhudo se vira sozinho no meio da reserva e já não se achava mais estranho, nem feio.

MORAL DA ESTÓRIA:


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