O babuíno que queria ser rei

                                                                                           



De repente, as florestas de todo o mundo foram tomadas de surpresa.
De longe chegara a notícia de que em Brazirquia, uma floresta distante, o leão desistira de continuar sendo rei. Estava desgostoso do oficio já que muitas eram as responsabilidades que o poder não compensava. Queria era poder andar livremente pelas savanas da África, de preferência rodeado de leoazinhas. Era o seu grande barato.
Mas o problema era que em Brazirquia não havia mais leões.
- O que fazer! Perguntou um preocupado leão do norte.
Como se tratava do reino de uma floresta, ainda que distante, melhor prevenir do que remediar, conforme clichejou um outro leão, o mais velho de todos. 
A questão foi levada, então, ao fórum do maior escalão: a Organização das Florestas Unidas, a OFU.
- O jeito é apelar para a Jaguatirica, felino de valor igualável.
- Quem sabe o Gavião, rapina incomparável.
- Ou talvez a própria Hiena, de esperteza impressionável. 
Foram as sugestões de alguns dos membros da Organização, mais tarde, reunidos em assembléia.
Houve um certo balido de queixas da parte de alguns animais menos influentes. Mas só até o leão chefe urrar forte e quebrar o pensamento dizendo:
- Embora não sejam da minha confiança no que diz respeito à valentia, é preciso preservar o bem-estar e os bons costumes das florestas.
Com o que todos os presentes, na maioria leões, concordaram, fazendo valer as decisões da tradicional Organização.
Assim, apesar do susto, por conta da inesperada decisão do desgostoso rei de Brazirquia, tudo parecia estar sobre o mais ferino controle.
Nem tudo.
Também de repente, um macaco babuíno, que outrora já aprontara das suas, resolveu voltar a aprontar.
Cansado da boa-vida da leãozada, o babuíno queria agora ser rei e antecipou a toda a floresta a boa hora: sua candidatura estava lançada.
Parece ter sido convincente.  Logo recebeu o apoio de parte dos animais de raça menor.
A notícia tomou de assalto e preocupação os velhos leões. Um certo babuínozinho, já há muito dado como sem vida, querendo ser rei!
- Ousadia! Esbravejou o chefe.
Mas do que eles ainda não tinham tomado conhecimento era que até a coruja, da turma dos intelectuais, ficara impressionada com os argumentos do macaco. Além do elefante e do hipopótamo, sem sombra de dúvidas, animais de peso. Houve quem duvidasse.
Mas, diante disso, vários foram os urros de protestos que se sucederam, em meio aos felinos, alcançando logo todo o mundo das florestas.
-    Onde já se viu!
-          Absurdo!
-          Insurgente!
-          Agitador!
-          Filho da mãe!
E o mundo das florestas se viu em polvorosa.
Uma floresta onde babuíno é rei! Isso era coisa que não se podia imaginar. Nunca se viu um fato na história das florestas. Nunca, desde que mundo é mundo e que floresta é floresta. Diziam eloqüentemente os mais exaltados membros da OFU, no que todos sempre acreditaram.
- Então, ai de quem quebrar o protocolo. Determinou o chefe da cúpula leonina.
A coisa ficou tão braba que se viu até asno articulando com jacaré a melhor forma de tirar uma casquinha da situação, quem sabe.
Rapidamente, uma comissão foi formada e enviada às pressas a Brazirquia. A serpente, aliada histórica dos leões, foi nomeada a chefe.
Na ocasião, a jaguatirica, ao saber que seu nome fora citada pelos leões, comentou a um sapo-boi, morador do brejo de Brazirquia, que  ali estava a pensar com seus botões:
- Já pensou se o babuíno for mesmo rei!
Pela primeira vez, contrariando sua natureza de sapo, o anfíbio preferiu não coaxar sobre o assunto e mergulhou nas águas da lagoa dos sapos.
Próximo dali, sem perder tempo, conversavam o gavião e a hiena, também já informados de seus nomes para a sucessão:
- É o que sempre digo, camarada hiena, as espécies superiores não podemos desdenhar nunca das macaquices dos primatas. 
- Mas isso pode nos render um bocado de frutos, camarada gavião.
- Conchavar com os macacos, jamais. Disse o gavião, intransigente.
- O babuíno pode até subir ao trono, sentir o gostinho do poder, mas é certo que lhe faltará competência para ser rei.
- Isso seria um perigo, camarada hiena. Protestou a jaguatirica, tomando parte no debate.
- Nós lhe daremos a incompetência, senhores.
-  É por em risco o futuro de Brazirquia e a reputação predadora. Emendou o gavião, já quase dando por encerado a conversa.
Mas a resonhenta felina prosseguiu:
- Quem nasceu para macaco nunca chegará a leão, meus caros.
E o gavião encheu os pulmões de ar e fez bater as asas como se dizer quisesse que só voa quem tem asas.
E a jaguatirica pôs a mostra suas presas como se dizer quisesse que só morde quem tem dentes.
E a hiena prescreveu o destino da natureza das coisas, rindo a valer, pois assim sempre o foi:
- Em sua primeira macaquice nós comeremos o macaquinho ali mesmo, em praça pública.
- E ainda seremos vistos como os verdadeiros defensores de Brazirquia.  Comemorou o esvoaçante gavião.
- E assim seremos os eternos reis do mundo das florestas. Festejou a saltitante jaguatirica.
            Mais unidos do que nunca, foram juntos comunicar o infalível plano aos leões. Estes elogiaram a sabedoria dos solidários concorrentes e, imediatamente, aceitaram a proposta. Não se podia esperar muito mesmo de um babuíno no trono de Brazirquia. Reinar era coisa para animais de garras e presas firmes. Seu reino, se eleito fosse, seria curto. Coisa de um dia, se muito. E a bicharada alienada logo perderia, para sempre, a confiança no macaco assim que lhe quebrassem os galhos.
            - Então, vamos fingir que perdemos! Sugeriu a hiena eufórica.
            E assim firmou-se o acordo.
Mesa posta para as eleições, a coruja, também presente ao evento, logo percebeu uma certa dissimulação no ar. Ou melhor, nos olhos dos supostos adversários do babuíno ao trono.  Antes de zarpar vôo, a exemplo do elefante e do hipopótamo que já haviam ido se lambuzar em outras lamas, a zoiúda estrige cochichou escondido ao macaco:
- Rei ou não, seu couro agora está exposto aos predadores, meu rapaz. 
O babuíno entendeu bem o recado. Era a velha história que ouvira desde quando ainda macaco criança: se correr o leão pega, se ficar o leão come. Macaco velho, não ficou surpreso ao ouvir da peçonhenta, encarregada do pleito, a consagração de sua raça:
- Eis o novo rei de Brazirquia, o Babuíno.
E ele ouviu seu nome sendo aclamado pela multidão de bichos. Mas, não demorou muito, o plano dos felinos se confirmou. Porque ousou em dizer que todos os bichos são iguais, o babuíno, eleito rei, caiu nas garras dos leões e de seus compatriotas predadores.
- Comunista!
Primeiro, disseram que o rei fez-se um manipulador. Em seguida, o chamaram de primata ditador. Transformaram-no, então, em um bicho sem valor.  E o acusaram impiedosamente de traidor.
Destituído do cargo, o então rei foi preso e deslinguado.
- Não disse que seria fácil! Comentou a Jaguatirica, vitoriosa.
O gavião, a contento da bicharada, foi rei nomeado. A hiena e a jaguatirica, sucessores indicados.
E as florestas de todo o mundo voltaram a ser como antes. 
E nunca mais se ouviu falar de outro babuíno que tivesse tanta chance de ousar.
O último deles, como se sabe, havia virado banquete.


Do livro Contos Pessimistas

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