A jacaré dos ovos de diamantes

  Se há, pois, escravos por natureza, é porque houve escravos

contra a natureza. A força fez os primeiros escravos, sua covardia os perpetuou.

J.J. Rosseau (in: O contrato Social)

 

 

Ilustração do autor Betto Ferreira

Era uma vez um homem que encontrou, às margens do rio, um filhote de jacaré e o levou ara casa.

            A mulher do homem, ao ver o pequeno animal, logo se engraçou pelo bichinho. Deu-lhe até um nome: Miúda, pois era um jacaré fêmea.

            Miúda crescera e tornara-se uma jacaré adulta.

            Miúda era uma jacaré fêmea como outra qualquer.

            Até que um dia, para surpresa dos donos, miúda botou um ovo de diamante.

            Quando viu o feito de Miúda, a mulher, entusiasmada, gritou para o marido:

-          Vamos ficar ricos, meu velho!

A mulher, então, passou a cuidar da jacaré com muito mais cuidado do que antes. Miúda era agora tratada com muito zelo e alimentada com carnes selecionadas, lingüiças importadas, peixes especiais e aves raras. Encarregou-se a mulher até de fazer uma casinha de madeira e com cobertura para que Miúda não fosse incomodada na hora de botar mais ovos. Certamente, seriam ovos de diamante.

Da vez seguinte, conforme a mulher esperava, Miúda botou mais um ovo de diamante.

Não bastasse todo o mimo dispensado à jacaré, a mulher logo iniciou uma reforma geral no lugar onde Miúda vivia. A água do pequeno viveiro passou a ser limpa periodicamente. Além disso,  não podia faltar a Miúda as carnes selecionadas, as lingüiças importadas, os peixes especiais e as apetitosas aves raras. Tudo para que Miúda se sentisse muito à vontade.

E Miúda, então, não parou mais de botar ovos de diamante.

Aquilo que antes parecia uma ilusão, agora, era um fato. Miúda era uma fonte de riqueza para seus donos.

E haja ovos de diamante.

E tome carnes selecionadas, linguiças importadas, peixes especiais e aves raras.

Mas... vai que num certo dia, sabe-se lá por quê, o homem chega para a mulher e diz:

Não acha que Miúda está de muito requinte? Acho melhor não lhe darmos mais aves raras. Precisamos conte os gatos.

Mas, e se ela não botar mais ovos de diamante?,perguntou a mulher.

- Se não parou até aqui, não pára mais, respondeu o homem.

E a mulher, então, obedecendo ao marido, não dera mais aves raras à jacaré.

Mas Miúda continuou a botar ovos de diamante.

Daí, num outro dia, o homem volta a dizer à mulher:

- Continuo achando que essa jacaroa ainda vive de muito requinte. Vamos cortar-lhe os peixes especiais. Afinal, precisamos diminuir os gastos.

-         Mas, e se ela parar de botar ovos de diamante?, perguntou novamente a mulher.

-     Como já disse, se não parou até agora..., respondeu o homem.

E a mulher parou de dar peixes especiais à jacaré.

Passados alguns dias, o homem mais uma vez diz para a mulher:

            - Não consigo me conformar com essa situação. Como pode um jacaré, só porque bota ovos de diamante, ter tanto luxo. Amanhã mesmo corte-lhe as linguiças importadas e as carnes selecionadas!

            - Mas se a jacaré resolver não botar mais ovos de diamante?, perguntou a mulher, receosa.

-          Não, não vai parar, respondeu o homem, confiante.

E a mulher não deu mais as linguiças importadas e as carnes selecionadas à jacaré.

Mas Miúda continuava a botar ovos de diamante.

Novamente, ao ver a jacaré deitada em sua casinha, prestes a botar mais um ovo de diamante, o homem chama a mulher e diz:

- Onde já se viu, um animal como esse ter casa. Ainda se fosse um cachorro! Ordeno-lhe que acabe agora mesmo com todas essas inventices. Essa jacaré é apenas um animal, deve ser tratada como tal.

- Mas, e se ela realmente parar de botar ovos de diamante?, perguntou a mulher, pela última vez.

- Ora, ora, mulher, jacaré que nasceu para botar ovos de diamante sempre vai botar ovos de diamante. E se ela parar, é porque  já deu o que tinha de dar.

E a mulher, então, aos cuidados do marido, destruiu a casinha que havia feito para Miúda. Também a água do cativeiro deixou de ser limpa periodicamente.

Assim, Miúda passou a se alimentar de restos de pão velho que lhe jogavam às vezes, e a beber da água das chuvas que caiam com frequência.

No entanto, miúda continuava a botar ovos de diamante.

Um dia, depois de uma demorada e intensa chuva, o rio transbordou e alagou tudo. Exímia nadadora, Miúda pensou em fugir do cativeiro, pois sentia que já não mais agradava aos donos.

Mas, como sempre ouvira falar que muitos de seus amigos jacarés vivam seno exterminados por caçadores inescrupulosos. Miúda preferiu esperar a maré baixar e ficar por ali mesmo, embora soubesse que sempre seria tratada pão  e água.


*Prêmio de edição do Banco de Talentos da FEBRABAN, São Paulo, 1997.


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