Realidade
Fui por muito, muito tempo
Um romântico inveterado
Desses que, dum copa d’água,
Ah! tempestade.
Mas, ao não mais devanear
Nas voltas que a vida dá,
Virei um realista deslumbrado
Continuo dando flores, é verdade,
Mas tenho zelo mesmo é pelo cuidado
Continuo admirando as estrelas, não nego,
Mas sou mais de enaltecer agora a
claridade
Sim, continuo a me perder em sonhos
- nos quais ainda algum passado se
revela
Mas, porque agora só enxergo o amor, de
fato
Reencontro-me é na realidade do corpo
dela
Coisa
perdida
Perder faz parte. É do jogo vida.
A gente está sempre perdendo alguma
coisa
No entanto, se é de vital importância a
coisa perdida
Para aqueles que nos amam, ou que de nós
precisam
É urgente que a encontremos
Porque é de vidas que estamos falando
Do contrário, de egoísmos nos morreremos
De tristezas nós mataremos
Seremos, então, a própria coisa sem vida
Para sempre coisificada
Agora, quando a coisa não tem a menor importância
Para aqueles que nos amam, ou que de nós
precisam
Ah! Aí daí tanto faz
Que a encontremos ou que continue... perdida
Sigamos! Sem dar ouvidos a coisas assim.
A Fortaleza
Talvez porque os caminhos sejam
tortuosos demais
E as curvas impiedosamente pungentes,
dificilmente escapamos dos
abates do acaso.
Afinal, não somos pedras, somos gentes.
Eis em mim um vivo exemplo: eu, que
nunca me vi aprisionado
A recognições, pego-me agora tomado por um inédito e súbito
mau humor.
É que, do nada, despoetizaram meus
versos, ora!
Desversificaram todo a minha criativa liturgia, estigmatizaram-me,
Ao zombarem do que de melhor em mim restou: a poesia.
Sem mais o que fazer, abraçada à
fraqueza,
Que a pseudo gentileza futilmente desmoronou,
Minha pobre alma de
poeta agora chora reprimida.
E eu, igualmente entediado, as entranhas
dilaceradas,
Como um cão vadio, pergunto então ao coração,
Companheiro das ilusões
e das noites solitariamente frias:
- Como proceder!
Ele responde de prontidão, todavia:
“Oh, porta voz dos combalidos,
com o fim de protegê-la
de gostos duvidosos,
Tranque sua poesia a correntes!
E abra-a de novo somente, quando
não mais houver
Um só Selo que a enode a dor, um só Ruído que a abale sem razão.
Ainda assim, no varejo, e só para mim, que posso ver sua beleza.
Pois, se a
vida que sempre lhe obriga a ser forte,
Nunca a ser forte, de fato, lhe ensinou,
De nada adianta fingir-se Fortaleza”.
Fuga
Às vezes, é preciso fugir. E eu fugi.
Não de mim. Da vida que
me escapava.
E passa por mim acreditar se não fora abençoado!
Estou, agora, de alma lavada. Senão levado
pela beleza da calma,
pelo contraste das calvas e da farta vegetação daqui.
É como se
estivesse me reconfigurado!
E por quanto mais suspiro, com outras tantas razões
me deparo:
como a água em cachos, que em queda, se derramam nos rios, riachos.
A melodia dos pássaros, que em coro, me reanima o coração.
O aroma
quente ou frio, que nas manhãs, ara toda minha emoção.
E os afagos dos homens e
mulheres, que em abraços, me fazem mais humanizado.
Tudo isso me refez enfim.
É que aqui
existe um ar que não sufoca
e uma brisa que em mim assopra
o novo segredo dos
sonhos e das noites bem dormidas.
É que aqui eu
senti, sem medo, o que antes era só desejo:
o agridoce sabor de amar e ser
amado.
E de tanto assim celebrar, às vezes, chego a até duvidar do tempo que lá (não) vivi.
Só me quero
aqui aquedar, a fim de poder da vida poder gozar o que ainda não sei!
A fuga me
trouxe aqui. Ainda bem.
Apaixonado
Já tem algumas dezenas de anos
Que o tempo das paixões passou de mim
Se dele não me aproveitei
Não me servi direito
Se, em algum momento,
Por mais tempestuoso que fosse,
Dele não me ensinaram a servir também
Já era!
Agora, estou no tempo das razões.
Por tanto, só me resta o amor
Perdoem-me a franqueza!
Mas o amor não se presta a devaneios
A tolices instantâneas
Nem a distinguir os odores dos cheiros
Ele é propositadamente lúcido
Ao contrário das paixões, daqueles tempos
O amor não nos toma de açoite
Assim como quem para se impor
Sem olhar os dotes, sem julgar a cor
Ele apenas deseja ser acolhido
E, sem alarde ou justificativas, acolhedor
Não pertence a nenhuma das estações
Tampouco a datas comemorativas
Não se esbalda nos encantos da infelicidade
Nem falseia-se em júbilos permanentes
Ele é assim, um pouco como eu sou:
Calmo, reservado; douto, atabalhoado
Mas uma fera se preciso for
Em outras palavras: a imperfeição em pessoa!
Eh, nesses tempos de razões, quem diria!
Eu me apaixonei pelo amor
Aos jovens
Sempre que aparecer à
nossa frente
Incertas furcações
Nos caminhos que a vida
nos oferece
Pare!
Não tenha pressa!
Nem corra!
Não passam de possíveis armadilhas
Que, de espreita, escondidas
estão
De olho no nosso destino
De repente: pah!
De detrás de um velho arbusto,
De um prédio em ruínas
Em qualquer travessa ou
esquinas
Fraudulentas
Lá estão elas!
A nos encher de dúvidas e vacilos
Então, pare!
Não tenha pressa!
Acione os ouvidos,
estimule o olfato, arregale a visão
Deguste semente de
pensamentos
E dê voz ao tato da
sensibilidade
Não corra!
Questione (se)!
- A onde eu quero chegar?
O túnel
Digamos
que não seja tão ruim,
Mas,
na vida, não
existem só mistérios
Fugaz
e imprecisa, há
também o incerto
É
como um túnel estreito e (in)finito
No
qual, de um jeito sempre fortuito,
Nele somos jogados
E,
quando lá estamos, no breu, trancados
Perda de tempo é pensar em recuar
Pois
a
entrada pela qual fomos lançados
Logo
se fecha, encobrindo
nossos rastros
Em escapulir pelos
lados, muito menos
Se
este for o único
lampejo de fuga
É que,
com suas
curvas vastas e sinuosas
No
túnel não se permite atalhos
Melhor,
então, será seguir em frente
Ainda
que cambaleante, tateando, errando
À
procura da luz que dizem haver...
Lá
no fim.
Aos moços
Eu
sou aquele homem
A
quem a vida pouco ensinou
Não
aprendi, por exemplo, a viver de vaidades
Nem
a lidar com falsas promessas
Ser
criterioso nas escolhas, também não
E
acreditei em tudo que parecia amizade
Que mancada! em vez de volúpia, de mentiras
Só
me ensinou a pureza da verdade
Daí
que não aprendi a ser cara de pau!
(O
que para sobreviver é preciso)
Faltou
a mim, quem sabe,
Que
a vida também tenha negado
Um
pouco de malandragem
De
sagacidade e mistérios
Não
de força, mas de coragem
Para
saber dizer sim e não, se necessário
Pois
bem, do pouco que a vida me ensinou
Ajudou-me
a me manter vivo por inteiro
Me
fazer de tolo aos intoleráveis
A
coesão
A agulha do artesão entrelaça
as linhas
Em outras linhas iguais
que em outras,
Em harmonia, apalavradas, pois, serão
É assim que se vai tecendo o tecido que
Ainda tênue e disforme constrói a conexão
Porém, em cada alinhavada
assim forjada
Pela agulha da coesão,
não pode haver
Embaraço, nem lapso do
atento artesão
Pois assim, as linhas do
inacabado tecido
Entre todas, des-apalavradas estarão
Logo, a coerência das apalavradas linhas ,
Para assim o ser (tecido), requer
o bom proceder
Do entrelaço de linhas no manejo do artesão
Só assim, do todo tecido que
se quer acabado,
O texto, se dará pela nobre agulha da coesão
Reino
da palavras
Era um Reino das Palavras
Amor, embora maltratado
pelo tempo
Era ainda um soberano
Todas as outras dele
dependiam ou a ele serviam
Um dia, veio um
impostor, Ingratidão,
E disse a Egoísmo, um
de seus soldados:
- Amor está ultrapassado,
não reina mais. Prenda-o!
Ouvindo aquilo, Amizade
se pôs à frente:
- Não, não há reino sem Amor!
Ingratidão ordenou a outro
soldado, Traição:
- Prenda esta Amizade!
Insolente!
Ao que Mansidão calmamente
refutou:
- Impossível um reino
sem Amor e Amizade!
Ingratidão ironizou e gritou
para Má Fé:
- Esta é uma pobre descalvada.
Destrua-a!
Diante disso, Respeito
também argumentou:
- O que será de Amor
sem suas escudeiras?
Ingratidão então debochou
bem alto:
- Olha só quem fala! Por onde andas, velho decrépito!
E ordenou que Respeito
também fosse preso.
Restava a Humanidade
alguma saída
Mas esta estava tão
fragilizada
Num dos cantos do reino
das palavras
Que Ingratidão nem se
deu por intrépido
Nem precisava, pois Humanidade, sem Amor,
Sem Amizade, sem
Mansidão, sem Respeito
Era, de todas, a mais
derrotada.
Rastro
Por
onde tenho passado
Ultimamente
Resolvi
deixar (um pouco) o pior de mim:
Uma
mágoa ali
Uma
rancor acolá
Adiante,
uma dor
Mais
na frente, os dissabores
Rastro
de tristes incômodos!
Tenho
me sentido mais leve
É
verdade!
Voltei
até a sorrir
Coisa
de que quase tinha me esquecido
E
percebi que viver é uma intensa necessidade
Pena
que, os que ainda vivem
Presos
também em si
Não
enxergam a outra parte que carrego
Com tanta leveza
Perdendo,
talvez, o melhor de mim:
A
compaixão
O
humanismo
Só
veem o rastro deixado
Indiferença
Viver
esse tempo todo
Foi
para mim um engodo
Bem
que eu não queria ter nascido
Ah,
se dependesse de mim!
Um
dia, porém nasci
Quase
desanimado, é verdade
Mas
nasci
Nascido,
não me restou escolhas
Tive
que sobreviver
Sobrevivi
as dores, os desamores,
Os
horrores do ser inacabado
Num
mundo de pouco caso
Desumanizado
(O
lado ingrato, a antivida)
Mas
significativamente falando
Do
lado bom da vida, eu diria
(Que
se existe não o sei)
Não
vivi foi é nada
Nada
usufrui
A
vida, entendo, nunca foi minha por direito!
A
ela sempre me submeti
A
fim de se fazer presente.
Caiu-me
a ficha.
O
que mais fui todo esse tempo
Em
razão de também não ter morrido
(Sabe
lá com que finalidade)
Foi
um antiviver impreciso, torto
Intimamente
esquecido à ilusão
De
um dia poder ao menos sonhar
Com
aquilo que eu gostaria de ter sido:
Alguém.
Mas
a vida, meu caro, nunca foi minha de fato!
A
ela apenas me consumi
A
fim de se fazer, somente.
Fui,
tão somente.
Desmerecidamente,
talvez.
Agora,
faz é tempo que nem mais me vejo
Nem
mesmo sei por onde ando
Se
tenho sido notado
Se
ainda sou amigo
Se
ainda sou lembrado
(Porque
não creio em gratidão)
Procuro,
desde então, é não sentir a minha falta
Nem
ter saudade do que eu era
De
como eu era
Pois
aprendi que assim dói menos.
Ah,
e como dói a dor Indiferença!
Ouvi
dizer recentemente
Que
me viram por aí
Todo
metido em exortação
(Logo
eu!)
Se
fazendo agora de gente.
Atrevida
Se
me perguntarem
- Vida ou morte?
Eu
direi:
- Vida
A
morte é para sempre
E
nem tem volta
Se
morreu, já era!
Além
de fortuita
E
desconhecida
A
vida é efêmera
E
somente a ida
Quem
viveu, já era!
Além
de necessária
E atrevida
Imprecisa,
A
vida logo passa
Em
alegorias
Previsível,
A
morte é eterna
Sem
graça
É
por isso que, ainda assim
(não
de bem com o mundo),
Eu
prefiro a vida
Sobrevivência
Sempre
dei mais valor às asas que aos galhos
Então,
um dia, eu comecei a voar.
Não
só acreditei, como confie nas minhas asas
Como
me ensinara uma vez o otimismo.
Pensando em chegar quem sabe
Um pouco perto da liberdade,
Sonho
de quem é humano e o meu também,
Me
deixei levar pelo plano alto da convicção
Mas
quando ainda nem avistara a esperança
Senti
que algo me atingira com mais força ainda
Bem
no lugar onde se projetam os sonhos
Foi
uma pedrada e tanto
Arremessada, eu vi, bem lá de baixo
Daquelas
que destroem tanto o coração
Quanto
a razão, resquício da sobrevivência.
E
o que era um voo talvez à plenitude
Virou
desespero em uma não queda livre
Minhas
asas foram também danificadas
E
nelas eu já não podia mais me agarrar
O tempo, o espaço eram curtos
Perdi
a crença e a confiança.
Ao cair de volta ao chão não havia mais galhos.
Linha de chegada
Podem ir vocês!
Acho
que vou ficar por aqui
Já
caminhei foi é muito
Muito
mesmo...
Além
do que um dia imaginei andar
Cheguei
até a pensar
Que
nem caminhos havia
Porque
era de um vazio intenso
E
de uma desesperança
Incompreendida
Fé
eu também nem tinha
Já
nascera sem
E
assim aqui cheguei
Vão
vocês, agora!
Pois
a estrada é longa demais
Para
jovens imprevisíveis
(E para adultos transitórios)
Quase
infindada
Não
mais para mim
Que
já no fim da linha
Vão!
Vão em frente!
Escolham
o melhor caminho
(Hoje
isso é possível)
E
vão, vão sem pensar na volta!
Mas,
de vez em quando
Nem
que seja de soslaio
(Se
possível)
Deem
uma olhada para trás
Para
ver como tudo muda
Fica
ainda mais longe
Pequeno,
distante
Quase
inalcançável
Mas
não deixe de olhar
Ajuda
não perder o rumo
Pra
não ficar parecendo
Que
não andamos foi é nada.
Vão,
vão agora!
Chega
de perder tempo
(Que
este hoje é escasso)
Vão!
Espero vocês aqui
Na
minha linha de chegada.
Sonhos
De
como eu vim
Para
o teu mundo
Não
me era permitido sonhar
Porque
ali do lado
Eis
que haviam sonhos piores
Bem
mais tristes que os meus
Mais
urgentes
E
eu tinha que admitir
Que
insistir nos sonhos
Me
fazia apegado demais em mim
Daí
eu dava um tempo
-
Meu sonho podia esperar
Mas
quando sonhava
Comparados
aos teus
Meus
sonhos eram quase nada
Quinquilharias
apenas
Difíceis
de juntar
Sonhar
um sonho bom
Nunca
foi direito meu, era privilégio
Agora,
aqui, não
Tu
sonhas como a nobreza
Com
os trâmites da realeza
Sendo
tu a própria rainha
E
toda sua inconstância
Por
isso, eu compreendo
(embora
resignado)
Que
seja difícil para ti
Aceitar
a minha condição
De
não sonhador
Perdoe-me,
então
Pois
não quero que penses
Que
eu seja apenas um estorvo
Um
caso perdido
Longe
disso
Eu
quero poder é viver
Não
tão somente existir
Dos
subsídios que me sobram
Em
teus sonhos de galhardia
Por
maior que seja
O
meu amor
Perdas
Venha
cá, meu camarada, venha!
Agora
que a luta ainda nem acabou
Vamos
fazer de conta, de conta mesmo
Que
tudo não passou de humanas intrigas
Vamos,
vem sentar bem aqui comigo
Neste
nosso íntimo e cômodo lugar
Enquanto
o tempo em si permanece
Passando
para a gente poder ficar
Vamos
falar do nosso passado
Daquele
que ainda não foi de vez
Das
coisas que ainda dão saudade
Porque
saudade não se tem por aí
Assim,
para fazer a gente reviver
O
regresso fortuito da esperança
E,
quem sabe, o que foi bom poder voltar
Venha
cá, meu camarada, venha!
Agora
que só nos resta da vida esperar
Vamos
retomar as boas conversas
Como
aquelas dos tempos de paz
Olha
para o céu! Está ainda todinho igual
E
se ainda iguais também estamos
Não
há mais porque temer, chorar
Importa
agora o que restou de nós
Vamos
viver agora de acreditar
Que
o presente é uma breve ilusão
Não
convém, portanto, remoer as dores
Das
velhas e comoventes paixões
Venha
cá, deixe-me te falar aos ouvidos!
É
preciso que façamos de conta
Que
não se pode enxergar na escuridão
Venha,
camarada, venha, sem desfeita!
Me
dê logo aqui aquele velho abraço
Esqueça
as perdas e deixe o futuro para depois.
Relevantar-se
Vendo você daqui de onde estou a lamentar
O maior dos açoites que levamos
E também o tudo que nos levaram
Fico deveras triste ao ver você assim
- Tão sem rumo, tão insólita e desacreditada
Eu voltei para aquilo que eu era antes, normal
Mas você, veja quanto mal te fizeram!
Porque és minha esperança, choro por ti
Gostaria de sentir de novo aquele grito de liberdade
Mas, quem me dera, se sequer consegues
Abatida como estás, ouvir meu triste lamento
Não, meu lamento não é maior que o seu
Certamente, este beira a quase desespero
Às margens de uma quase loucura, vê-se
A questão é que não me sinto um qualquer,
Minha esperança, confio em te desde púbere
Mesmo que você tenha sido um tanto esnobe
Em anos idos de vaidade, de quase maldade
Nunca em outro solo, em outro colo quis eu amar
Mesmo em farrapos, como agora estás,
Brutalmente linchada, a esmo, golpeada,
Reluto em aceitar que toda luta seja inglória
Que toda espera dê em nada, que tudo de nada valha
Reage, vai! Volta aqui para acabarmos o começo!
Traga contigo apenas um desejo, que igual nunca tive
- o conforto do teus braços esplêndidos
Para neles, de forma justa e serena, voltar a sonhar
Ah, minha esperança, nos roubaram em reconstrução
Nos tomaram de lampejo a paz e a decência
E agora nos ameaçam com a insensatez descabida
Tempos incertos, sombrios, sonhos despedaçados
Mas você tem a mim, acredite, este pobre bem acabado
Que não abre mão de toda sua legitimidade
Quero ao teu lado lutar contra esta alienante insanidade
Que te botou, ainda linda ainda, tão irreconhecível assim
Reage, vai, minha única esperança! Se relevante!
Por que tanto receio ainda este meu querer te faz,
Se é amor de raiz, amor da terra boa? Reage, vai!
Não se esqueça de mim, não chore, não desapareça,
Deixe que o seu coração gentil, por mim, por nós,
Ao mundo se queixe de nossas novas angústias impostas
E se bem me queres ainda, não tenha medo, nem se engane
Oh, minha triste amada e infeliz esperança,
Relevante-se e me abrace, me queira e me beije
Enquanto, ao menos eu, estou de verdade a te pedir, ou
Se ainda confias em mim, me ame ou me deixe... aqui!
Lesa-razão
Rejeito
a natureza como amparo da solidão
Não
quero incorrer no risco de idealizar as coisas
Isso
é para quem se projeta em sonhos
Para
quem foge da realidade indigesta
A
fim de não querer ser como ela diz
Para
mim, uma flor será sempre uma flor
Um
rio nunca mudará seu curso
Um
cachorro será sempre ele mesmo
E
o homem envencilhado na ingratidão
Em
seu tênue arcabouço da lesa-razão
Jamais
se permitirá deixar de ser imperfeito
A
mim, me basta um quarto escuro,
Uma
cama, um silêncio noturno, somente
Para
que assim aflorem os mais vastos pensamentos
Pois é pensando que a vida pode ser compreendida
Porque
tudo o que os olhos não enxergam
-
posto que para isso não haja a luz -
É
o coração quem mais sente, é no corpo que tudo dói
É
a vida que se expõe ao perigo, depois.
Açoitado
Todos
os dias ele vinha comer
Esperançoso,
o que sobrou da ração dos homens
Deixada
em sacos plásticos
Ali
na rua onde eu morava
Ele
era apenas um gato
Um
gato preto de rua
Um
belo gato preto de rua
Mas,
com seu andar ancho de gato,
Igual
a todos os gatos em tudo
E
como todos os gatos, certamente
Não
buscasse apenas os restos
-
Queria também uns poucos afagos
Que
desde gatinho não tinha
Um
dia meninos malcriados
Em
caminho de volta da escola
(eu
disse, de volta da escola)
Onde
nada aprenderam sobre ser feliz
Açoitaram-no
com um balde de água fria
Nunca
mais vi aquele gato preto na rua
Acho
que ele fez como eu fiz um dia
(e
como qualquer pessoa açoitada faria):
Também
nunca mais voltei para revirar
O
que sobrou da ração de muitas pessoas
Humilhação
Eu
não pedi pra nascer
Mas
me fizeram
Me
obrigaram
Eu
não pedi pra crescer
Mas
me levaram
Me
deixaram
Eu
não pedi pra viver
Mas
me disseram
Me
expuseram
Eu
não pedi pra ser pobre
Mas
me sujeitaram
Me
aviltaram
Eu
não pedi pra furtar
Mas
me forçaram
Me
tentaram
Eu
não pedi pra morrer
Mas
me acusaram
Me
mataram
Eu
só pedi pra ser gente
Mas
não deixaram
Me
humilharam
Rascunho
Não
é a palavra quem tem poder
É
o uso dela que tem
E
quem faz o uso também
Uma
palavra no canto do papel
Riscada
no chão
Pintada
em tela que seja
Sozinha
De
nada vale
Não
faz sentido
Nada significa
Pois
dizê-la assim nada refere
Amizade, por exemplo
Só
vale se for dita
Ao
lado de carinho,
Articulada
com ternura,
Sublinhada
por amor
E
reiterada de atenção
Se
não for assim
Não
será amizade verdadeira
Será
apenas rascunho em vão
Ignorado
Vivendo
só e as escondidas
Pois
é assim que ando agora
Dissimulando
a minha dor
Vi
você sorrindo de mim
Era
flagrante o seu bem-estar
Curtindo
todo seu despudor
E
toda a minha desventura
Do
teu lado, igualmente felizes
Amigos
e amigas em comum
Que
antes nos faziam louvor
Sorriam
também de mim
E
atado ao seu corpo solteiro
Num
explícito e íntimo fulgor
A
causa da minha amargura
-
Essa tua agora independência
Essa
tua nova compostura
De mim assim me ignorar
Sofro
e choro, triste e esquecido
Em verdade, porque tanto quis
Fazer
de você meu único teor
Enquanto
ainda sorria para mim
Só
me consola ao menos entender
Que
foi tomado de muito amor
Que
lhe dei um pouco de mim
Caricatura
Quando
eu era ainda criança
Eu
só pensava em voar e voar
Para
o bem alto do possível
Mas
eu só tinha um quintal
De
onde de lá via as nuvens
Debaixo
de um pé de pau
Onde
ainda podia brincar
Quando
menino-homem
Eu
só sonhava em vagar e vagar
Para
bem longe no mundo
Mas
nem tinha sequer um lar
Que
tivesse uma janela
Da
qual pudesse ver o céu
Donde
ainda pudesse sonhar
Agora
que cheguei onde estou
Eu
só queria mesmo era me levar
Para
bem longe de mim
Ah,
mas eu só tenho a mim
Este
velho caricato a zelar
Um
pouco indisciplinado
Mas
com quem eu posso contar
Esquecido
Depois
de tanto te desejar
Depois
de tanto te esperar
Depois
de tanto te defender
Levaram
você de mim
E
eu fiquei foi só.
Completamente
só.
Mas não
te levaram porque te queriam
Nem
porque te amavam demais
Quiseram
me ver era triste, eu sei
Triste
mesmo, feito um incocente
Te
levaram de mim para se vingar
De
todo bem que você me fazia
Você
era toda minha vida
E
toda minha alegria
E
toda minha paixão
Todinha
minha liberdade
Que
levaram de mim também
E
eu fiquei foi só.
Tristemente
só.
Depois
de tanto te ter
Depois
de tanto te proteger
Depois de tanto te amar demais
Levaram
você de mim
E
porque não tenho mais você
Porque
não sinto mais amor
Porque
não sirvo mais a ninguém...
Eu
fiquei só
Esquecidamente
só.
Sonhos
Quando
nasce a gente não tem sonhos
Nos
iludimos é depois que crescemos
Daí
temos que o sonho é resistência
E
que viver empata que nos limitemos
Quando
cresce a gente só tem é sonhos
Nos
iludimos por aquilo que perdemos
Daí
temos que o real da sobrevivência
Exige
muito da gente é que lutemos
Porque
a vida é duramente afetada
Pela
carência de nortes que não temos
E
pela realidade carregada de pendências
Porque
em sendo assim tão fragmentada
A
vida nos priva das coisas que mais queremos
Nos
levando à morte pelas ausências
Tapeação
É
muito difícil estar feliz
Ser, então, puro
devaneio da alma
Tá
aí uma coisa da qual já desisti
Que nem me iludo mais
-
E faz é tempo, viu!
De
vez em quando um sorriso
Mas,
apenas para aliviar a tensão
Para
não se parecer um chato assaz
Porque
o mundo é avesso a quem chora
Quando
de tristeza, então!
Por
isso, é preciso se equilibrar
No tênue bambo da dissimulação
E
disfarçar a dor com finura
Sem
esboçar um lamento sequer
Tapeação. Puro engodo, né não!
Mas, enfim, é assim que se vive a vida
Sendo
expressamente proibido vir a ser
Mesmo
quando se quer de verdade.
Exata medida
Havia
um tempo em que
Tudo
era bem ajustado
Ameno,
sem virtudes, nem pecados
Que era bom viver demais
Pois era de paz que se fazia
Aqueles tempos de fantasia
O
sol, em sua nobre profusão
Era
o mesmo de todo o dia
Aquecia,
mas não queimava
Também
a chuva era assim igual
Sem
torrências nem agonia
Caia,
mas não acharcava
E
o vento, que frescor de simpatia
Parece
que em nada pensava
Rugia,
mas não gritava
Nem
para mais, nem para menos
Era
assim na exata medida
No tempo em que se vivia
Lágrima de saudade
Enquanto o céu de toda a cidade
Se alegrava em pirotecnias
Uma lágrima leve e triste
Disfarçadamente escorria
No rosto da pequena mulher
Enquanto a gente se esperançava
Com suas falsas alegorias
A lágrima era de verdade
De uma dor intensa e discreta
No rosto da pequena mulher
Enquanto, em forma de ilusão
Em abraços, afagos se renasciam
A lágrima era de não mais ter
Aquele de quem mais se queria
No rosto da pequena mulher
Não era uma lágrima qualquer
Eu garanto, vinha lá do coração
Tanto que não se esbaldava
Para não se fazer aparecer
No rosto da pequena mulher
Enquanto a gente se esperançava
Eu vi, ela caladamente brotava
Dos olhos de quem amou demais
Sim, era uma lágrima de saudade
No rosto da linda pequena mulher
Que chorava a morte de meu pai
Declaração
Quem a
quiser desperte... poema.
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